"O QUE FAZEMOS POR NÓS PRÓPRIOS MORRE CONNOSCO, MAS O QUE FAZEMOS PELOS OUTROS E PELO MUNDO PERMANECE. E É IMORTAL." (ALBERT PINE)

Museu José Manuel Soares (Casa da Cultura - Pinhel, Guarda)

Museu José Manuel Soares (Casa da Cultura - Pinhel, Guarda)
A equipa de "ABYSSUS LUSITANIS - O Abismo de Portugal" apoia e procura auxiliar a divulgação e convidar os nossos leitores a visitar o Museu José Manuel Soares (Casa da Cultura), em Pinhel (Guarda).

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A REVISÃO (IN)CONSTITUCIONAL


"Era uma vez um país onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra."

(Ary dos Santos, in «As Portas Que Abril Abriu»)

‎"O ceptro da justiça é o ceptro do crime:
Duro como um cutelo e frágil como um vime.
(...)
É um mundo que ri e um mundo que assassina:
Os guizos do jogral e as trevas da batina.
E o povo... o povo é rei! E rei como Jesus,
Para beber o fel, para morrer na cruz."

(Guerra Junqueiro, in «A Morte de D. João»)

Assim introduzo este novo e sincero contributo, dedicado à reflexão sobre revisão da Constituição proposta pelo PSD... deixarei que os pensamentos dos caros leitores justifiquem-na, não porque careça de motivo mas sim para tentar encontrar um pouco de consciência no meio do povo português.

Ontem à noite, em horário tardio (acho que não pode ser considerado "nobre"...), pode-se ouvir as vozes de vários intervenientes no programa "Prós e Contras" da RTP1, ao qual pude assistir. E devo salientar que, quando terminou, tive uma enorme dor no peito - do lado esquerdo. O meu coração destroça-se ao verificar que é "nisto" que os portugueses depositam o seu voto, que é "nisto" que depositam a confiança e o dever de governar Portugal.

Tanto quanto se consegue perceber (já que muita coisa, não surpreendentemente, é ocultada ao povo), a revisão da Constituição da República Portuguesa (doravante, por conveniência, designá-la-ei como CRP) proposta pelo PSD consiste, essencialmente, nas alterações quanto aos direitos fundamentais do acesso à saúde, à educação e ao emprego. E sobre estas áreas me limitarei neste sincero contributo - se necessário, realizarei um novo contributo com análise, ou reflexão, sobre restantes alterações. Aos mais curiosos e que possuam acesso (via internet ou por outro meio) à CRP, referimo-nos aos artigos 53º e seguintes (capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores), artigo 43º (com a epígrafe "liberdade de aprender e ensinar"), artigos 58º e 59º (com as epígrafes "direito ao trabalho" e "direitos dos trabalhadores", artigo 64º (com a epígrafe "saúde"), e os artigos 73º e seguintes (capítulo dos direitos e deveres culturais).

Comecemos.

O PSD veio expressar o facto de existirem leis vigentes que são contrárias ao estipulado na CRP, e veio defender a escolha do "tipo de ensino" como irónica e cinicamente lhe chamaram. O PS veio acenar com a cabeça (o que foi proferido não é nem a favor, nem contra). O CDS-PP veio acenar com a cabeça e bater palmas (ou seja: tanto dizia que apoiava, como de repente já não apoiava: se exististem camaleões em Portugal, esses estão sem dúvida, mas não só, no CDS-PP!). O Bloco de Esquerda veio contrariar com justificações sem nexo (ou seja: não sabia argumentar como deve ser - fez-me lembrar os estudantes que não estudaram bem a matéria, mas que andam às voltas, quais moscas em redor do estrume, à procura de "acertar no alvo" se me permitem a expressão). Sobre o Partido Comunista Português, o assunto muda de figura: atacou com força, e digno de uma distinção nacional, esta proposta. Mas agora é a minha vez - ainda tenho o direito à liberdade de expressão e de pensamento... e mesmo que já não os tivesse, não me calaria. Nem em Tarrafais!

Uma coisa é certa, e aí temos que dar razão a essa afirmação do PSD e do CDS-PP: os encarregados de educação têm o direito de escolha. Mas não é do "tipo de ensino": é do tipo de estabelecimento de ensino! O ensino deve ser igual para todos - independentemente de os professores serem diferentes e de os métodos de ensino utilizados por cada professor serem diferentes. Passo a explicar: existe um programa afixado a nível nacional pelo Ministério da Educação, e tanto os manuais como os professores (seja de que escola for) têm de cumprir esse disposto, não impossibilitando que ensine mais alguma coisa (se houver tempo). A única diferença no "tipo de ensino" que poderá existir é no ser mais ou menos religioso, de resto tem de ser (por força desse disposto) igual em todas as escolas do país. Então e que vantagem traz a opção de colocar o educando numa escola privada ao invés de o colocar numa escola pública, ou vice-versa? Bom, aqui falo pela minha experiência, que estudei em escolas primárias públicas e num liceu privado: a diferença está nas pessoas que frequentam o estabelecimento. Posso dizer que nunca vi alunos de etnia cigana no liceu onde estudei, e só comecei a ver alunos africanos e asiáticos depois de, pessoalmente, ter acusado aquele estabelecimento de ensino de praticar racismos e xenofobias... mais tarde, acusei uma série de professores de branquearem o fascismo (e até o nazismo do III Reich) e de realizarem falsas acusações ao Comunismo (ainda só tinha 13 anos de idade quando o fiz, e voltei a fazê-lo num trabalho que apresentei mais tarde sobre a II Guerra Mundial e sobre Anne Frank, a autora de "Diário"). À parte destas decorações, a essência da Educação era exactamente a mesma. E concordo que se diga, nos tempos em que se vive, que os cidadãos têm direito a escolher - mas não é isso que está em causa. O que está por detrás desta frase, e que não é revelado com clareza, é o plano de privatizar a Educação - ou seja, regressamos à elitização da Educação, tal e qual acontecia no Estado Novo. António de Oliveira Salazar proferiu, numa entrevista ao jornal «O Século» na década de 30, uma das frases que melhor caracteriza a direita: "um povo culto é um povo ingovernável". E é esta máxima que o PSD, o CDS-PP e o PS vêm trazer das cinzas: pretendem um país de incultos, inconscientes, e quiçá de analfabetos. O próprio deputado e professor universitário António Filipe, do Partido Comunista Português, disse e muito bem que o direito a essa escolha não estava em causa, mas sim o assegurar do acesso universal à Educação. Sobre isto, o PSD e o CDS-PP, com a companhia discreta do PS, vieram chamar a esta medida de utópica - dizem que ninguém tem esse acesso universal, principalmente nos dias que correm de "crise". Sobre a crise, digo desde já: preparem-se, caros leitores, pois a crise nunca chegou, até hoje, a Portugal - isto é só um problemazinho, a verdadeira crise ainda está para vir, principalmente se PS, PSD ou CDS-PP forem reeleitos!

Utópica... pergunto desde quando - hoje, vejo muitos com aquilo a que se chamava a 4ª classe, e que tiveram um acesso quase gratuito a essa escolaridade (quase gratuito, pois os livros poderão ser comparticipados, mas são pagos na mesma...), apesar daquilo que os números nacionais revelados pelo INE dizem. Posso estar enganado, mas creio piamente que a grande maioria dos que representam a taxa de analfabetismo em Portugal contemporâneo são os que passaram a sua juventude no Portugal suicidado de Salazar ou de Marcello Caetano. Seria conveniente que, aquando da realização desta pesquisa, o INE distinguisse quem, nessa percentagem, nasceu e/ou viveu nos tempos mais remotos e quem nasceu/viveu no pós-25 de Abril, pois só assim poderíamos ficar a saber que raio representa essa percentagem.

Além disso, como referimos, o PSD afirma que existem leis contrárias ao disposto na CRP e que vigoram - ou que não foram declaradas insconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. Sobre isto, há a dizer aquilo que há meses Jerónimo de Sousa proferiu: o incumprimento da Constituição, de todas as formas e feitios possíveis, é o caminho para que tal aconteça. Tal como acontece na Alemanha (por exemplo), devia ser obrigatório o estudo e a oferta gratuita da CRP a todos - o seu estudo, genérico, seria no ensino primário. Os alemães aprendem a ler e a escrever no ensino primário, tendo como primeira leitura escolar a sua Constituição, a qual é totalmente gratuita! Em Portugal, só os licenciados em Direito e os curiosos conhecem a Constituição, e é necessário pagar-se quase 10 euros (2.000 escudos) para adquirir uma cópia da CRP... depois admirem-se que haja povos onde a denúncia de fraudes fiscais, entre outros crimes, se encontre mais presente no estrangeiro do que em Portugal - ao contrário do que muitos portugueses dizem, não é uma questão de mentalidade do povo ou da "raça" (passo a expressão) portugueses! É sim, uma completa ignorância, inconsciência e falta de cultura! Os portugueses são, segundo dizem, um povo sereno, por não saberem, e não por serem mais ou menos calmos... ou como se diz para os bois, "mansos".

Um dos casos mais flagrantes é o facto de existirem dezenas (senão centenas ou milhares) de leis laborais (do Código do Trabalho, entre outros) claramente inconstitucionais mas que assim não foram declarados pelo Tribunal Constitucional e/ou que nunca foram devidamente analisados. Diz o PSD sobre isto, com a concordância do CDS-PP e do PS: "se as leis são contrárias à CRP, então mude-se a CRP". Permitam-me recorrer a esta expressão para dizer o que quero partilhar convosco: «eu ainda sou do tempo» em que fazia-se ao contrário: a lei fundamental era "intocável" e "inviolável", enquanto que as leis e decretos-lei que violassem a CRP não eram válidos e não podiam vigorar! Mas para a direita não: a Lei Fundamental é que tem de acompanhar as leis que são criadas diariamente. Mais ridículo que isto parece-me de extrema complexidade...

Por fim, pelo menos neste contributo, temos a questão da Saúde.

Sobre este tema, há a dizer que igualmente existe a liberdade de escolha quanto ao estabelecimento de Saúde - se é um hospital privado ou não, se é uma clínica privada ou não. Devo, antes de mais, salientar que no Estado Novo a Saúde também não era para todos (e não me refiro apenas à privação que a PIDE/DGS dava aos Comunistas e extremistas-de-esquerda em se tratarem) - era só para quem pudesse pagar. E aproveito para louvar, apesar de estar muitíssimo longe da perfeição (muito mais longe que Portugal, e indubitavelmente mais longe do que Cuba - o país com o melhor, ou dos melhores, Sistema Nacional de Saúde do mundo), o fim da vergonha que imperava nos Estados Unidos da América propiciado por Barack Obama. Haja Deus que o senhor Nóbel da Paz faz alguma coisa para justificar a atribuição de tal prémio (para mim não justifica, mas ajuda a não o ver tão desumano quanto pretende continuar a ser).

O direito à Saúde é um bem estritamente necessário. A privatização desta seria a sentença de morte para a grande maioria dos portugueses... e permitam-me parafrasear uma máxima que o Sindicato dos Médicos da Zona Sul mostra todos os anos na manifestação do 1º de Maio: "alguns têm médicos privados, outros estão privados de médicos". Com a mudança dos tempos, sugeriria a alteração desta para "alguns têm médicos privados, muitos estão privados de médicos", e se a Saúde for privatizada deverá ser alterada para "alguns têm médicos, outros têm doentes"... pois é o mais previsível: com a privatização da Saúde, alguns doentes terão o acesso à Saúde (uma minoria), enquanto que a grande maioria dos doentes terão pura e simplesmente o acesso às doenças... e assim se manterá enquanto estas não pagarem por isso!

Ainda sobre o direito ao emprego, mas trata-se de um assunto ligeiramente desviado: felicito os alemães da BMW pela extraordinária (e exemplar) iniciativa de colocar os trabalhadores mais velhos (que iriam ser reformados ou despedidos devido à idade avançada) noutras funções idênticas às realizadas pelos jovens. Ao contrário do que PS, PSD e CDS-PP pretendem fazer em Portugal (e que estão a levar a cabo), a BMW foi pioneira (tanto quanto se sabe) nesta medida, que permite manter ou aumentar a produção de automóveis, diminui consideravelmente o prejuízo da empresa, e permite a estes cidadãos contribuírem para o seu país. Modéstia à parte, há anos que grito em plenos pulmões: "despedir e privatizar dá mais prejuízo que manter os contratados e manter as empresas públicas". E a BMW veio provar pelo menos metade da teoria: de facto é mais lucrativo manter-se os velhos.

Uma outra questão é a contratação sistemática de médicos estrangeiros: será que ainda ninguém percebeu que obrigar os estudantes de Medicina a estudar fora de Portugal e contratar médicos estrangeiros dá prejuízo nacional? Será que não percebem que os estudantes que vão para o estrangeiro raramente regressam? A título de exemplo, posso referir-me ao Hospital de Santa Maria: temos uma autêntica "exposição internacional", com médicos cabo-verdianos, iraquianos, espanhóis, paraguaios, etc. Não me parece mal termos estrangeiros - são muito bem-vindos. O que me parece mal é expulsar, cordialmente, os portugueses!

E agora vou parecer repetitivo, mas a notícia é de hoje: devido a uma chuva de granizo e trovoada, nas oliveiras de um local sobre o qual não tomei nota, milhares de azeitonas ficaram arruinadas. E lembrei-me imediatamente: o que é feito da produção nacional, que é a verdadeira chave para o combate a esta crise, ao invés das revisões (in)constitucionais das direitas? Resposta: nada. Tudo depende daqueles olivais arruinados, e de poucos mais. Com uma boa e verdadeira reforma agrária (que é urgente fazer-se em Portugal), este assunto era aborrecido mas não era "o fim do mundo", passo a expressão. Mas os nossos governantes, e pelos vistos o povo aprova, preferem importar leite aguado, batatas sem sabor, azeitonas sem qualidade, frutas que parecem feitas de cera (e com sabor idêntico), etc. Portugal, acorda!!! Se Portugal produzir, pouco que seja (que não é assim tão pouco, mas vamos colocar esse cenário), é um óptimo caminho para o fim desta crise. E o único - repito: único! - capaz de solucionar este problema eficazmente e a longo prazo.

Permitam-me recomendar, além das leituras a que directa ou indirectamente aludi, a leitura do contributo do meu amigo João Andrade da Silva, presente no blog "Liberdade e Cidadania", publicado recentemente, o qual pretendi enriquecer.

E volto a parecer repetitivo com esta, que é a minha despedida neste sincero contributo: os culpados não são só os nossos governantes, do PS, PSD e CDS-PP. Os culpados são, também, os que votam neles. E mais do que esses, os culpados são os abstencionistas: limitam-se a aceitar quem é eleito pelos que efectivamente votam, logo concordam com estes governos. Espero que, nas eleições presidenciais de 2011, se verifiquem alterações para um bom caminho - o caminho da solução. E a solução está no voto; no voto útil, que é o voto na verdadeira Esquerda Socialista, na Esquerda Comunista, na única política patriótica que existe para servir o povo português e que não está "para" mas sim "com" o povo português!

Fernando Barbosa Ribeiro

Nota: este texto foi originalmente escrito a 21 de Setembro de 2010.

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