Caro
leitor, não venho defender nenhum partido neste contributo sincero. Outrossim,
venho tentar explicar – a “pedido” de muitos amigos com quem falo pessoalmente
e/ou através de e-mails e redes sociais (as aspas devem-se a ninguém me ter
pedido nada; eu é que peço não ser obrigado a repetir-me tantas vezes quantas
pessoas com quem falo diariamente) – no que consiste realmente uma eleição
legislativa (em I). Só no final (em II) aplicarei a teoria à prática, seguindo
os factos resultantes das eleições legislativas portuguesas de 04 de Outubro de
2015. Por último (em III), darei o meu parecer – repito, sem querer defender o
partido A ou B por ser o A ou o B! – de acordo com o exposto nos outros pontos;
e uma lista de livros e links cuja leitura recomendo e na qual me baseio (em
IV) para sustentar aquilo que deixo aqui escrito.
Cumprindo
o meu dever enquanto jurista, imparcialmente, informo!
I
Um
mito urbano: ninguém elege Governos! As eleições legislativas destinam-se a
eleger deputados para assentarem na Assembleia da República. Fique, desde já,
registado algo que vou repetir muito no presente contributo.
Os
partidos podem concorrer à Assembleia da República (e nunca ao Governo!)
coligados ou não. Apresentando-se coligados, elaboram as suas listas
proponentes aos assentos na Assembleia da República com base no acordo que os
partidos envolvidos celebrarem entre si; no caso de não haver coligação, os
partidos elaboram as suas listas conforme lhes aprouver.
O
que é certo, desmentindo outro mito urbano, é que as coligações terminam/deixam
de existir na hora, no minuto e no segundo em que as urnas são fechadas para
contagem dos votos. O que prevalece intemporalmente nessas coligações é as
listas de candidatos elaboradas em cada círculo eleitoral!
Esclarecendo:
por regra, um círculo eleitoral corresponde, aproximadamente, a um distrito.
Portanto, a única sobrevivente de uma coligação-candidata é a lista de
candidatos que a mesma elaborou nos diversos círculos eleitorais existentes!
Assim
sendo:
Todos
votam para atribuir assentos (na qualidade de deputados) da Assembleia da
República às listas de candidatos dos partidos proponentes a tal.
A
confirmar que se trata de mito urbano: alguma vez foi visto, seja em que país
for, deputados de uma coligação? Eu só conheço deputados do partido A, do
partido B… e nunca da coligação A ou da coligação B!!!
Contados
os votos e atribuídos os assentos, é hora de ver quem é o mais votado. Só aqui
é possível parecer (mas que não é real!) que as coligações continuam a existir…
esclareço: se são candidatos como coligação, seria impossível determinar quem é
que, votando na coligação, queria votar no partido A ou B da coligação X!!!
Logo, aí, como se os votos de mais que um partido fossem somados, pode dizer-se
que X ou Y (candidato como coligação) tem mais ou menos votos que o partido A
ou B ou a coligação W ou Z. Mas, reitero, a coligação já foi – o termo correcto
é este! – dissolvida com o encerramento das urnas.
Outro
mito urbano: ninguém trai ninguém realizando acordos pós-eleitorais de “coligação”
(porque NÃO É uma coligação se não se candidatou como tal: é um acordo
pós-eleitoral… na prática, outrossim, funciona como se fosse uma coligação)
entre partidos. É uma possibilidade que a Lei confere! Para formar Governos não
é comum ver-se (pelo menos na Europa), mas é o dia-a-dia por excelência de
muitas autarquias locais portuguesas! E, neste ponto em particular, a lei é
igual: é possível, e não significa enganar/trair ninguém.
Continuando
o percurso: os deputados são nomeados conforme os votos e as listas. Uma vez
feito, o partido, coligação ou acordo interpartidário propõe-se ao Presidente
da República para formar Governo. Sim, disse bem: pode ser uma coligação (que o
foi como candidato, e os seus votos foram contados como tal), um partido
isolado, ou o resultado de um acordo pós-eleitoral entre vários partidos (daí
eu ter utilizado o termo “acordo interpartidário”). O Presidente da República
deve convidar e nomear aquele – seja ele qual for! – que mais assentos na
Assembleia da República (e, portanto, mais votos) tiver, para formar Governo.
[Por lei, ninguém se candidata a, nem se apresenta para, formar Governo: a
Constituição da República Portuguesa diz muito claramente que o Presidente da
República é que convida o(s) partido(s), e não que o(s) partido(s) se
popõe(m)!!!]
Aqui,
o Primeiro-Ministro por regra (mas não obrigatoriamente!!!) é o principal
candidato do partido/coligação/acordo, e cabe a este nomear o seu Governo
(sendo que, aqui, as regras não são muito rígidas quanto a vincular as listas
de candidatos).
Assim,
temos um Governo nomeado.
II
A
04 de Outubro de 2015, em Portugal, houve eleições legislativas. Esquecendo os
números por agora, os partidos foram eleitos pela seguinte ordem de lugares:
PÀF (Coligação PSD-CDS), PS, BE, CDU (Coligação PCP-PEV), PAN. Posto isto, e só
olhando para este mapa, a PÀF saiu a vencedora das eleições… dependendo, agora
sim, do resultado eleitoral (dos números) e de possíveis acordos pós-eleitorais
que sejam realizados.
Nota: o BE é a única coligação que é excepção à regra... se calhar por ser "bloco"!...
Nota: o BE é a única coligação que é excepção à regra... se calhar por ser "bloco"!...
A
PÀF venceu sem maioria absoluta (aliás, encontra-se bem distante de tal), o que
significa que encontra-se extremamente dependente dos eventuais acordos
pós-eleitorais que se realizem entretanto (e daí o prazo para o Presidente da
República indigitar um Governo!).
Eis
a tabela dos resultados eleitorais (na qual só constam os partidos supra
referidos) – fonte: http://www.legislativas2015.mai.gov.pt/
Uma
explicação à tabela: encontramos “repetições” do PSD e do CDS noutras situações,
uma vez que nos arquipélagos da Madeira e dos Açores não existiu, nem existe,
PÀF. Temos a Aliança Açores (Coligação CDS-PPM), o PSD-Açores, o PSD-Madeira e
o CDS-Madeira.
Veja-se
agora, e em concreto, o número de deputados com assento na Assembleia da
República de cada partido. Reitero, e note-se bem: não existem quaisquer
coligações! Fonte: http://www.parlamento.pt/DeputadoGP/Paginas/GruposParlamentaresI.aspx
Uma
conclusão óbvia que se pode tirar realizando simples contas de somar: a Direita
(isto é, o PÀF; ou a soma PSD com CDS) possui 107 deputados, a Esquerda (isto é,
a soma PS com BE, PCP e PEV) possui 122 deputados, e (de posição ainda
publicamente incerta, apesar de o seu assento, neste momento, na Assembleia da
República, ser à esquerda…) 1 deputado do PAN.
Posto
isto, caro leitor, parece óbvio quem tem “a faca e o queijo na mão”… SE houver
acordo pós-eleitoral (que, segundo a comunicação social, há e é da forma como
fizemos as somas supra).
III
Subscrevendo
muitos (e de todos os partidos!) comentadores políticos e “tudólogos” da nossa
comunicação social: o Presidente da República teve o desplante de desrespeitar
a verdadeira vontade dos portugueses. Aliás, teve o desplante de, indirectamente,
propor/sugerir a ilegalização do PCP… e não só, mas também do PS e do BE – ou seja,
a ilegalização de toda a Esquerda nacional!!! O que, pelo Código Penal,
constitui crime – instigar publicamente à discriminação em razão da
opção/ideologia política (pode-se dizer: no mínimo, à sua perseguição;
rebuscando, a homicídio, a ofensas à integridade física, a coacção, entre
outros tantos crimes). Problema: foi tudo dito por meias palavras, e pode
existir quem não saiba Língua Portuguesa…
Por
conhecimento de facto, os acordos pós-eleitorais são o dia-a-dia das autarquias
locais (como já afirmei): verifica-se muito os acordos PSD-CDU e PS-CDU, por
exemplo.
O
Governo agora deposto de Passos Coelho, note-se bem!, foi resultado de um
acordo pós-eleitoral!!! Efectivamente, o partido mais votado fora o PSD, o
qual, para tornar a sua maioria numa absoluta, fez acordo com o CDS.
Ou
seja: um acordo entre um partido vencedor e outro está correcto; mas um acordo
entre partidos não-vencedores já não está bem! Discriminação, é dizer pouco!!!
Tenho
dito.
IV
Links
(dois deles já referidos, mas reitero-os):
- Resultados 2015: http://www.legislativas2015.mai.gov.pt/
- Composição da
Assembleia da República (por partido): http://www.parlamento.pt/DeputadoGP/Paginas/GruposParlamentaresI.aspx
- Outras informações
sobre como é constituída a Assembleia da República: https://www.parlamento.pt/DeputadoGP/Paginas/default2.aspx
- Informações sobre como
é constituído o Governo: http://www.portugal.gov.pt/pt/a-democracia-portuguesa/o-governo/o-governo.aspx
- Resultados eleitorais
2011: http://eleicoes.cne.pt/raster/index.cfm?dia=05&mes=06&ano=2011&eleicao=ar
- Constituição da
República Portuguesa: https://dre.pt/application/file/243653
ou https://dre.pt/constituicao-da-republica-portuguesa
- Lei Eleitoral da
Assembleia da República: http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis_lear_2015.pdf
- Lei Eleitoral da
Assembleia da República (versão comentada/anotada): http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/learanotada2015-cne-web.pdf
Livros
(maioritariamente jurídicos – indico os links de cada um por uma questão de
logística de texto):
- Constituição da
República Portuguesa (anotada/comentada) de Gomes Canotilho e Vital Moreira: http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=978
e, a completar, http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=11975
- Constituição da
República Portuguesa (anotada/comentada) de Jorge Miranda e Rui Medeiros: http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=948
mais http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=964
e http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=5284
- Manual de Ciência
Política e Direito Constitucional (Marcello Caetano): http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?cPath=2_42&products_id=844
(apesar do nome, é o único existente)
- Direito Constitucional
e Teoria da Constituição (Gomes Canotilho): http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?cPath=2_42&products_id=852
- Manual de Ciência
Política e Direito Constitucional (Zeferino Capoco): http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?cPath=2_42&products_id=27813
- Manual de Ciência
Política e Sistemas Políticos e Constitucionais (Manuel Proença de Carvalho): https://www.quidjuris.pt/Default.aspx?Tag=BOOK&Id=741
- (Numa perspectiva
expositiva/explicativa e crítica) Lei Eleitoral para a Assembleia da República
- Proposta de Configuração de Círculos Uninominais (Rui Oliveira Costa): http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=8774
Entre
tantos outros – os supra referidos são apenas sugestões. Observação: não ganho
nada em sugerir ou deixar de sugerir estas, e outras, obras. Tratam-se,
outrossim, de algumas das que li e/ou que sempre consultei e consulto.
Fernando
Barbosa Ribeiro
(rectificado a 27/10/2015 - FBR)