Agora com o terceiro
tema que no anterior contributo me propus debater convosco, venho expor-vos o
sucedido na Ordem dos Advogados. Mas, antes de mais, explico a separação dos
temas (facto que não expus no contributo anterior): temas diversos e que
merecem grande reflexão e discussão, que não devem ser misturados. E pelo facto
de não gostar de falar sem saber do que falo – ou seja, o primeiro tema carece
ainda de confirmação de dados que ouvi (por outras palavras: estou na busca do
“papelinho” onde tomei nota da notícia), e este carecia de confirmação daquilo
que a lei diz em confronto com os factos conhecidos por todos os que se interessaram
em saber (por noticiários e/ou jornais). Mas prometo desde já que o terceiro
sincero contributo em falta está para breve. Agora, o segundo deles.
António Marinho e
Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, recusa-se a acatar aquilo que a lei
diz – foi o que me afirmaram. E tudo devido a algo relacionado com os estágios
da Ordem e com uma alteração legislativa relativamente às associações públicas
(sic). Que dizer sobre tudo isto?
Uma contextualização para já: a Ordem, desde que
Marinho e Pinto é seu bastonário, já fez e refez notícia – para começar, com a
declaração da inconstitucionalidade dos famosos exames de acesso, posição que
acompanho, por parte do Tribunal Constitucional. Dizia numa notícia do Jornal
de Notícias, que passamos a citar: o regulamento determinava então que “a
inscrição preparatória dos candidatos que tenham obtido a sua licenciatura após
o Processo de Bolonha será antecedida de um exame de acesso ao estágio,
organizado a nível nacional. O bastonário da Ordem dos Advogados disse sempre
que o «regulamento [da OA] não é ilegal e está dentro dos poderes do Conselho
Geral». «Bater-me-ei com todas as minhas forças contra o facilitismo», declarou
Marinho Pinto, referindo-se à situação que envolve os licenciados pós-Bolonha
com cursos de Direito inferiores a cinco anos” – os seus fundamentos (os do
bastonário) são muito válidos, não posso negar. E contra mim falo, pois
licenciei-me com o “Bolonha 1” (como lhe chamo – pois numa primeira Bolonha, a
licenciatura em Direito passou a ser de 4 anos (que foi o meu caso), mas existe
agora uma “Bolonha 2” que reduziu a licenciatura em Direito para 3 anos – à
qual estou contra). Mas cabe perguntar-se: quem disse que eu, licenciado em
Direito por “Bolonha 1”, quis licenciar-me assim? Quem disse que tive opção de
escolha? Afirmo aqui e agora, a todos os caros leitores: se eu pudesse ter
escolhido, preferiria muito mais ter-me licenciado segundo pré-Bolonha! Juro!
Mas não me foi (e agora ainda menos é) possível optar pelo regime pretendido.
Então, por esse facto, devemos ser discriminados em relação aos licenciados
pré-Bolonha? Que eu saiba, quer a Constituição proíbe a discriminação em função
de todos e mais alguns factores, quer o Código Penal pune tal discriminação.
Será que só por tal o bastonário não incorria em responsabilidade penal? Deixo
à vossa consideração. Obviamente, as considerações tecidas no acórdão do
Tribunal Constitucional foram muito mais além do que estamos a afirmar aqui,
mas pretendemos apenas deixar o essencial da questão para o caro leitor. Para
um aprofundamento, deixamos aqui o link do acórdão para vossa consulta: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110003.html.
Agora, o Tribunal Administrativo do Circulo de
Lisboa deu razão a uma providência cautelar interposta por um grupo de 14
advogados estagiários, impossibilitando formalmente, assim, a realização das
provas de aferição a que estes seriam sujeitos. Refere uma notícia do Público
que, e passamos a citar: “O tribunal considerou importante apreciar os
argumentos dos estagiários de que a realização dos exames viola uma lei
publicada em Janeiro, referente ao regime jurídico de criação, organização e
funcionamento das associações públicas profissionais, que faz depender a
inscrição para estágio de acesso à profissão apenas da titularidade de uma
licenciatura. Actualmente, os Estatutos da AO obrigam ainda à passagem dos
estagiários por vários exames de aferição durante o estágio. A nova lei admite,
no máximo, um exame de agregação no final do estágio e apenas em casos de
interesse público. Já anteriormente tinham entrado cinco acções de estagiários
das universidades de Lisboa, Porto e Minho. Em Abril, um grupo de estagiários
do Porto recorreu do indeferimento de uma das acções pelo mesmo tribunal que
agora deu razão a esta nova providência cautelar”.
Mas, surpresa das surpresas, noutra notícia do
mesmo jornal diz-se que “o Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa diz
que, afinal, a OA pode manter os exames de aferição «transitoriamente»,
enquanto se aguarda pela aprovação dos novos Estatutos da Ordem propostos à
Assembleia da República (AR). «Pode, transitoriamente, continuar a aplicar o
seu ‘direito interno’ até à conclusão do processo legislativo na AR, incluindo,
no caso em pauta, o artigo 188 do Estatuto e os regulamentos emanados à sua
sombra, que continuam, assim, integrados no bloco de legalidade que rege a
actividade da OA», lê-se na decisão. O artigo em causa dos estatutos da Ordem refere
que, «com a aprovação nas provas de aferição e subsequente passagem à segunda
fase do estágio, são emitidas e entregues aos advogados estagiários as
respectivas cédulas profissionais». Esta última decisão judicial, tomada no
mesmo dia pelo mesmo tribunal que deferiu a providência cautelar que requeria a
suspensão dos exames de aferição, surge no âmbito de um processo de intimação à
OA despoletado por dois advogados estagiários que pretendiam a emissão de uma
cédula profissional sem a realização de exames de aferição. Os estagiários
alegavam tal perante o tribunal recordando que, segundo a nova lei das
associações públicas, basta a titularidade de uma licenciatura para o acesso à
profissão”, quando “os actuais estatutos da OA obrigam ainda à passagem dos
estagiários por vários exames de aferição durante o estágio. A nova lei admite,
no máximo, um exame de agregação no final do estágio e apenas em casos de
interesse público”. Quid Iuris?
Antes de mais: quanto à segunda notícia,
confira-se a decisão no seguinte link: http://www.oa.pt/upl/%7B819eeb86-af34-4681-9a43-01ad698fa79b%7D.pdf.
Quanto à primeira notícia, confira-se a mesma mas com maior profundidade no
seguinte link: http://www.smmp.pt/?p=23259.
Por fim, quanto à lei em causa, confira-se o seguinte link: http://www.oasrn.org/pdf_upload/Doc1_Lei_2_2013.pdf.
De facto, a existência de duas decisões
completamente díspares confere-nos uma INSEGURANÇA JURÍDICA (sendo que a
segurança jurídica é um dos princípios fundamentais do Estado de Direito
Democrático que caracteriza a República Portuguesa – estatuído na própria
Constituição), e daí podermos compreender (até certo ponto) a “incerteza” por
parte do bastonário em aplicar uma das duas decisões (já que cumprir as duas
seria um real disparate).
Em seguida, dou ao caro leitor a minha sincera
opinião na qualidade de jurista mestrando em Ciências Jurídico-Criminais (uma
das variantes do Mestrado em Direito).
Se fosse em Direito Criminal/Penal (que não é o
caso), a lei nunca poderia ser retroactiva a não ser que fosse mais favorável
ao agente que cometeu o crime (por exemplo: um A matou um B; quando tal
aconteceu, vigorava uma lei que punia A pela prática do crime de homicídio com
uma pena de 8 a 16 anos de prisão; mas, ainda no decurso do julgamento, entrou
em vigor nova lei que pune o agente pela mesmíssima prática criminosa em 10 a
20 anos de prisão; então, por ser mais favorável ao agente (isto é, ao
criminoso), ser-lhe-ia aplicada, retroactivamente, a lei que o pune com 8 a 16 anos
de prisão – é um exemplo “estúpido” e meramente académico, mas a minha intenção
é que o caro leitor perceba a 100% aquilo de que estamos a falar).
Como referi, este não é o caso. Trata-se de um
ramo do Direito que não o criminal/penal. Dita a regra geral que a lei nunca é
retroactiva; mas não estamos, a meu sincero ver, num caso de retroactividade da
lei. Senão, veja-se um outro exemplo meramente académico e “estúpido”, para que
o caro leitor melhor compreenda a minha posição: Lei das Rendas (que rico
exemplo que fui buscar!...) – trata-se de Direito Civil, mais concretamente de
Direitos Reais (um dos 5 ramos do Direito Civil em geral). Se pudesse
verificar-se a questão da retroactividade, a lei que regia os senhorios e
inquilinos anteriores ao Regime do Arrendamento Urbano seria diferente daquela
que os regia quando o contrato de arrendamento fosse posterior à entrada em
vigor do mesmo (tentando esquematizar: o primeiro grande Regime data de 1990,
tendo-se verificado reforma em 2006 que criou o popularmente designado NRAU, e
por fim houve “a Reforma da Reforma”, a que gosto de chamar de “RNRAU”, datada
de 2012; ou seja: rendas anteriores a 1990 teriam uma lei, as posteriores a
1990 e anteriores a 2006 teriam a lei de 1990, as posteriores a 2006 e
anteriores a 2012 teriam uma terceira lei, e as posteriores a 2012 teriam uma
quarta lei). Traduzia-se isto que estariam em vigor 4 leis neste ano de 2013!!!
O que seria totalmente ridículo e inconcebível.
Com o exposto, chega-se a uma conclusão
inevitável, que exponho da seguinte maneira: “a lei nova revoga a lei velha”. Aliás,
a nova lei que “estabelece o regime jurídico de criação, organização e
funcionamento das associações públicas profissionais” diz claramente que, no
seu artigo 54º, que passamos a citar: “Norma revogatória: É revogada a Lei n.º
6/2008, de 13 de Fevereiro”. Consequentemente, já não se encontra em vigor a
lei anterior. Ora, o Tribunal cometeu, quiçá, um grave erro na segunda decisão.
E o bastonário da Ordem, ao não obedecer à primeira decisão, incorre num crime
de desobediência (previsto no Código Penal), e na minha sincera opinião com
qualificação por se tratar de um bastonário de uma ordem de profissionais
directa e intimamente ligada a profissionais… de leis!... que, por seu turno,
tem maiores dever e responsabilidade em conhecer a e obedecer à… LEI!!!
Enfim, caro leitor: estamos, a meu sincero ver,
perante uma autêntica Desordem! Vejamos como se desenrolarão as coisas daqui em
diante.
Para confirmação das notícias citadas dos jornais
referidos, consulte os seguintes links:
Por
Abril e por Portugal, sempre!
Fernando Barbosa Ribeiro
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