Caro leitor, venho tentar pronunciar-me sobre um tema sensível,
sobre o qual não parece existir qualquer parecer político – logo, o meu será
ainda mais pessoal/imparcial que o costume.
O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda levantaram a questão
de discutir a legalização da eutanásia, assunto que levou todos (excepto o
Partido Comunista Português) a iniciar um "diálogo monologado" (pois nada se concluiu), e o recém-nomeado a
Presidente da República a sugerir um referendo. Dou total razão ao PCP por não
se ter (ainda) pronunciado – é preciso e urgente estudar aprofundadamente o
assunto. Antes de abrirmos o diálogo, há que informarmo-nos!
Pessoalmente, vou pronunciar a minha sincera FALTA DE OPINIÃO, numa
tentativa de colmatar a previsível falta de informação que existirá assim que
entrar em acção o referendo.
Tenho a esperança de poder ter alguém que me faça ter uma opinião - apesar de há anos continuar nesta indecisão.
Ainda no meu tempo de estudante da Licenciatura em Direito, um
dos meus professores de Direito Penal sugeriu que estudássemos o assunto e
formulássemos a nossa opinião. Passados quase 5 anos, ainda mantenho – talvez agora
mais convictamente, uma vez que entretanto obtive o grau de Mestre em Direito
na especialidade de Ciências Jurídico-Criminais, com uma dissertação que
tentava unir a Ciência com o Direito – a mesma posição: a completa incógnita.
A eutanásia consiste no homicídio consentido – em poucas
palavras. Esclareça-se melhor:
Eutanásia é a prática
pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e
assistida por um especialista.
Independentemente da forma de eutanásia praticada, ela é
considerada um assunto controverso, existindo sempre prós e contras – teorias
eventualmente mutáveis com o tempo e a evolução da sociedade, tendo sempre em
conta o valor de uma vida humana.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a eutanásia pode
ser dividida em dois grupos: a "eutanásia activa" e a "eutanásia
passiva". Embora existam duas "classificações" possíveis, a
eutanásia em si consiste, como se disse, no acto de facultar a morte sem
sofrimento(?) a um indivíduo cujo estado de doença é crónico e, portanto,
incurável, normalmente associado a um imenso sofrimento físico e psíquico.
A "eutanásia ativa" conta com a realização de acções que
têm por objectivo pôr fim à vida, na medida em que é planeada e negociada entre
o doente e o profissional (ou entre a família do doente e o profissional, quando
o doente não consegue de todo expressar-se) que vai levar e a termo o acto.
A "eutanásia passiva", por sua vez, não provoca
deliberadamente a morte; no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a
interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, farmacológicos ou outros, o
doente acaba por falecer (daí, e não só, a minha questão sobre o “sem sofrimento”…).
São cessadas todas e quaisquer ações que tenham por fim prolongar a vida. Não
há, por isso, um acto que provoque a morte (tal como na eutanásia activa), mas
também não há nenhum que a impeça.
É relevante distinguir-se, por fim, a eutanásia do
"suicídio assistido", na medida em que na primeira é uma terceira
pessoa que executa, e no segundo é o próprio doente que provoca a sua morte,
ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros.
Primeiramente, vou expor as razões gerais para tal, e só depois
(porque, felizmente ou não, tenho casos próximos que me ajudaram a pensar)
exporei casos concretos que conheço directamente, para tentar ajudar a expor
tudo ao meu leitor.
Desde já adianto: qualquer opinião pelo sim e/ou pelo não
carece, a meu sincero ver, de algumas visões da realidade. Contudo,
respeito-as. Só peço que respeitem a minha sincera e pura “abstenção” sobre o
assunto.
Na década de 70 (isto é, há cerca de 40 anos atrás), doenças
como o cancro seriam catástrofes apocalípticas. Na década de 90 (há cerca de 25
anos atrás) já seria algo cuja esperança dificilmente esmorecia. Hoje, quase se
tornou “o pão nosso de cada dia” – detecta-se precocemente, trata-se com uma
eficácia invejável, e qualquer ameaça de reincidência é prontamente atacada.
(nota pessoal: existirão casos em todo o mundo que não serão assim tão
lineares, mas nas grandes metrópoles portuguesas é isto que se vê em larga
maioria). Colocando a eutanásia neste quadro: há 40 anos, seria totalmente
aceitável e louvável; há 25 anos seria duvidoso; hoje é quase criminoso
pensar-se nela para este caso concreto.
Um dos mais preocupantes flagelos é a doença de Alzheimer, bem
como a de Parkinson. Para ambas desconhece-se a cura. Até ao início do século
XXI, seria desesperante. Hoje, passados apenas cerca de 16 anos, já existe
alguma luz ao fundo do túnel: existe o combate ao seu progresso (não curando).
Quem nos garante que daqui a outros 16 anos já não se descobriu a cura? A
eutanásia até há 16 anos seria completamente aceitável; hoje seria digna de
adiamento até à completa demência; amanhã será criminoso.
Por fim, um Acidente Vascular Cerebral (AVC) grave, numa pessoa
de organismo fraco. Não existe cura. Até há cerca de 20 anos seria terrível,
com uma recuperação (se existisse!) extremamente lenta e dolorosa (mais que não
fosse, “dolorosa” a nível psicológico!). Nos últimos anos, é possível
combater-se os efeitos causados pelo AVC em determinadas condições, e já se
começa a saber de métodos para prevenir tê-los. Quem sabe, daqui a uns anos
será “parte da História”… novamente: ontem era louvável, hoje já é digno de
adiamento e meditação, amanhã poderá vir a ser criminoso.
Para não falar de doenças gravíssimas do passado que hoje
encontram-se, ao momento, erradicadas!... Hoje seria uma blasfémia pensar-se
sequer na eutanásia nesses casos, mas ontem era louvável!...
Caro leitor: indirectamente, já dei os casos que conheço pessoal
e directamente. Houve quem tivesse um AVC gravíssimo, e que ainda hoje
encontra-se em estado vegetativo, mas que sempre implorou por viver, mesmo
encontrando-se nas condições de total dependência em que se encontra – e da
qual já nunca irá recuperar, pois as consequências trouxeram outras diversas
complicações que impossibilitaram quaisquer esperanças. Tive relação com
cancros, incuráveis há 40 anos (e que mataram essas pessoas), que receavam
qualquer um há 20 anos, mas que hoje pode levar-se com alguma tranquilidade, e
cuja prevenção é extremamente eficaz (não chegando, contudo, ainda, ao 100%
eficaz!).
Principalmente (mas não só), a questão da eutanásia nasceu em Espanha, com um
senhor que ficou tetraplégico. Aquele evento (real!) deu um filme, “Mar Adentro”.
Ainda hoje é uma questão sem cura, mas será que preenche algum critério digno
de merecer a eutanásia?
Pergunta-me agora o leitor: que critério servirá para determinar
quem “merece” ou não a eutanásia? A essa pergunta desafio o leitor a responder,
pois eu DESCONHEÇO.
A dignidade da pessoa humana é um conceito vaguíssimo: em que
sentido se fala nele?
No respeito pela orientação sexual? No respeito pela raça? No
respeito pelo género? No respeito pela ideologia? No respeito pela religião
praticante? NO RESPEITO PELA VIDA? NO RESPEITO PELA MORTE? No respeito pelo…
quê??? Eu, enquanto jurista, digo: está tudo correcto, e está tudo errado!
Basta ver, quer na Filosofia em geral, quer na Filosofia do
Direito, que este conceito não possui resposta linear, clara, objectiva. Então
como poderá este ser o critério para decidir a eutanásia? Aquilo que para mim é
dignidade da pessoa humana difere daquilo que é dignidade da pessoa humana para
o leitor, de certeza absoluta!
Quando vi a vítima do AVC grave, vegetal total há mais de 10
anos, a chorar implorando que não o deixassem morrer independentemente de ter
sido informado do estado em que iria viver o resto dos seus dias – tremi,
interiormente tremi. Foi o meu “clic” – eu ainda era menor de idade, a começar
a entrar na adolescência, quando assisti a este pranto pela vida. MAS existem
outros que, numa situação igualzinha, imploram pela morte. QUAL O CRITÉRIO???
Já agora: o caso que vivi não conseguia falar (nem consegue!), expressou-se única
e simplesmente pelo choro e pelo quase-indetectável movimentar de cabeça
acenando um “não”.
Um paciente com doença de Alzheimer nem sequer se apercebe,
quando o estado é mais grave. Que critério? O familiar, que pode (por vezes)
querer caçar uma herança???
Na minha actual condição de Candidato a Advogado Estagiário,
vivi um caso sem par, cujos detalhes gerais que aqui importam são estes: alguém
que sugere a uma senhora idosa (que padecia de cancro em estado terminal) que
se despachasse para doar em vida todos os seus bens. Penso eu: se a eutanásia
fosse legal, talvez tivesse sugerido a eutanásia!... Dos herdeiros, um foi
autor da sugestão, o outro não queria perder a senhora por nada deste mundo, e
cuidou da mesma até à sua morte (natural). Caro leitor: que critério para este
caso??? (o sigilo profissional fica garantido: não divulgo identificações, nem
o que realmente diz respeito ao caso – isto é só um décimo dele).
Por fim, uma personalidade famosa: Stephen Hawking, grande nome
da Física. Padece da doença que o paralisa totalmente desde largos anos (quem
nunca viu entrevistas ou leu livros deste grande Cientista, poderá ter visto o
recentíssimo filme “A Teoria de Tudo”, o qual descreve a sua vida até há cerca
de vinte anos). Nunca quis morrer, e consegue expressar-se através de computadores.
É talvez um dos (senão “o”) génios da actualidade e da nossa História
Científica. Ainda hoje é uma doença incurável. Que critério, caro leitor?!
Praticamente tudo o que ontem não tinha cura, hoje tem. E, muito
provavelmente, tudo o que hoje não tem cura, tê-lo-á amanhã.
Colocando o caso no extremo, como fiz quando aluno da
Licenciatura de Direito: “supondo que algo não tem cura às 13h00, mas passa a
ter às 13h30?” – não é ser utópico, isto já aconteceu, com um tratamento
descoberto (curiosamente) em Cuba! E assim salvou-se uma vida, que, salvo erro,
era norte-americana… Pela última vez, coloco a questão que não me deixa
respirar, pois é essa que me falta responder para formular uma opinião no “sim”
ou no “não” – e que em tantos anos nunca encontrei! – que é: QUAL O CRITÉRIO???
Por fim: que linha separa o "suicídio assistido" da eutanásia??? Eu desconheço-a, apesar de ter esclarecido acima qual a suposta diferença... devido à questão do critério...!
Em nome da Democracia, o povo que escolha. O que decidir,
decidirá certamente bem! Mas que o escolha informadamente!!!
Daí que, além de expressão a minha FALTA DE OPINIÃO – porque,
para mim, é impossível tornar este caso numa decisão de “preto” ou “branco”,
pois fico sempre no “cinzento” – quis tentar contribuir para a informação do
caro leitor.
Não será fácil decidir sobre este caso. Só peço que seja tomada,
por todos, com consciência.
VIVA A VIDA!
Fernando Barbosa Ribeiro